sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Hoje acordei Clarícimo

Acordei com um gosto estranho na boca. Eu não sei descreve-lo.
Um gosto de tempo, um gosto de um gosto.

Quero me lembrar, vou me esforçar para contá-lo.
Ele tem o cheiro do instante de agora,
O Já, o âmago do “É” de alguma coisa.
Gosto do instante que escapa aos olhos,
o ovo que se desfaz quando se diz “o ovo”.
O bico da pena.
Um ponto, um átimo de segundo.
Uma partícula subatômica.
O instante entre o agora de agora
e o outro agora de depois que
já é outro e sempre outro.
O inefável.
A cada movimento do pensamento,
a cada palavra dita eu vou tomando distância do que quero
ou tento dizer sobre o gosto.

A verdade mesmo é que a palavra em si é parte de um movimento tirânico do qual não consigo escapar, que escapa ao gosto, por isso não o descreve.
Tenho de submeter-me, devo aceitá-las, devo respeitá-las para falar do gosto.
Tomo distância do gosto.

Como falar do que não é palavra?
 Como dizer o que não pode ser dito?
O que dá para ser dito desse gosto?

Como nomear o inominável?

Vou escovar os dentes, enxaguante bucal e poema.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

A praia dos campistas



O mês de janeiro provoca uma certa histeria coletiva. É como se uma flauta mágica nos hipnotizasse e, como zumbis, fossemos teleguiados até o mar. Desconfio que o astro rei não seja o único responsável. A praia, mais que um espaço geográfico, pode ser observada enquanto um fenômeno antropológico que, se estudado a fundo, terá muito a dizer sobre a identidade das pessoas. Prova disso ocorre quando dizemos “Esta não é a minha praia!” para delimitarmos nosso objeto de desejo e outras coisas alinhadas a nossa constituição subjetiva, política e ideológica.

Na minha infância, em Porciúncula, deslocar-se até o mar era uma epopeia, cercada de expectativa, vivida uma vez ao ano por duas famílias que percorriam, num Chevette vermelho e somente nele, o trajeto entre o Noroeste Fluminense e a Região dos Lagos e ali passavam alguns dias. Uma infância feliz, pois salva da sina de não se ter ido à praia no mês de janeiro.Em Campos, mais que em Porciúncula, a desejada praia talvez seja instituição cívica e cultural. Se, aqui, o IBGE incluísse no Censo a pergunta “Qual praia você frequenta em janeiro?”, com os dados obtidos descobriríamos muito sobre quem são os campistas. 

Especulo que, no topo das respostas, quem sabe em percentuais iguais, teríamos: Farol, Santa Clara, Grussaí, Atafona, São João da Barra, Guarapari, outras em menores proporções na Região dos Lagos e ao sul do Espírito Santo e até a Lagoa de Cima que não é uma praia, mas ganha status de, nesta estatística. Com as pesquisas a partir dos números, ficariamos estarrecidos ao constatarmos que a condição econômica pouco importa quando o campista decide tomar uma praia para si. Há afinidades sutis, determinantes genéticos e implicações sociológicas que ultrapassam o quanto dinheiro se tem para ir e estar na praia que se quer para chamar de sua.

Enfim, acredito que a praia de um campista diz muito sobre quem ele é. Mesmo que ele vá à outras, há uma predileção quase inconsciente, como a por um time de futebol. Um frequentador do Farol ou de Guarapari pode ser reconhecido pelo modo de andar e se vestir, observado a milhas de distância. As idiossincrasias (modos de ser, costumes, valores e até crenças) de um campista determinam ou são determinadas pelo lugar onde ele passa o mês, ou alguns dias, de janeiro. Ainda não fui às ruas para comprovar minha tese, mas estou a um passo de sair por aí perguntado “Qual é a praia que te pariu?”.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Mulheres Ricas é para rir ou para fazer pensar?



Eu gosto mais do programa Mulheres Ricas que do BBB. Ambos os programas partem do nosso ávido desejo por acompanhar a vida alheia e, para isso, tomam por modelo o gênero televisivo reality show. O reality, acredito, nasceu na tentativa de adicionar pinceladas de entretenimento ao documentário, politicamente engajado gênero cinematográfico.

No programa global, jovens narcisistas, mulheres e homens, se expõem a qualquer custo e sem o menor resquício de ética numa maratona em busca da fama. No Mulheres, o suposto dia-a-dia de distintas senhoras que vivem no apertado topo da pirâmide social brasileira é filmado, editado e exibido entremeado por depoimentos de cada uma delas, ora sobre si, ora, com toques de intriga, sobre as demais participantes.

O que me chama atenção no semanal da Band é o teor de humor acrescentado à fórmula que o alinha ao concorrente da Globo e que lá é, forçosamente, apresentado em charges animadas. Pois bem, penso que a comédia que emerge no Mulheres Ricas esteja assentada na inquietante condição de exclusão feminina ainda no século XXI. A partir do próprio título, pensar em uma mulher rica é tão estranho para a nossa lógica machista que convertemos o estranhamento em piada.

Por isso, um Homens Ricos não passaria de um documentário de uma TV paga qualquer. Já a atração no ar ganha ares de programa de humor, com direito a bordões, personagens caricatos e audiência na tv aberta. Daí porque eu gosto do programa, pelo humor. Não é por ver mulheres em situações ridículas, mas pela confirmação de que a comédia nunca é inocente ou despretensiosa. Geralmente, ela reflete, através do riso, obscuras camadas de preconceito, discriminação e desigualdade.

Esperamos o tempo em que as mulheres ricas não se tornem, gratuitamente, motivo de piada.