domingo, 1 de junho de 2014

A MÁQUINA

            Em verdade, a vida é a estranha perturbação que se sente antes de tentarmos ordenar as coisas. O resto disso, a ordem que segue ao assombro, é aquilo que forjamos da vida, não a vida propriamente dita. Covardemente, temos negado a perturbação, sublimando a vida que seria um assombro por si.
            O primeiro homem que negou a perturbação fez do seu ato o preço pago para que a humanidade se fizesse. Assim, ordenamos as coisas e confundimos a ordem com a falsa supremacia humana. Com esse vago sentimento de controle, fizemos da Matemática a nossa orientação e assim nos distanciamos da verdadeira ordem das coisas, a infinita harmonia do caos e, para sempre, perseguimos a lógica em nossas vidas.
            O segundo homem, aquele que aceitou docilmente essa falsa vida, construiu a máquina, cujas engrenagens passaram, desde então, a trabalhar incessantemente e a serem recicladas ou substituídas por outras idênticas, dia após dia. As peças da máquina seriam como ideias velhas, falsos conceitos sobre a realidade, dogmatismos e o que a própria máquina convencionou a chamar de Verdade. A primeira máquina replicou-se em outra máquina e desde então elas tomaram conta de nós.
            O ato mais devastador foi o do terceiro homem que já sem controle, mas com o suposto controle da falsa vida, confundiu Deus com a máquina. Deus, que antes se assentara ao lado esquerdo do caos, foi talhado a imagem do próprio homem, um dos recursos da máquina para nos controlar e usurpar o verdadeiro e inominável Deus. Foi assim que nomeamos um suposto Deus e o multiplicamos para negarmos o caos.
            E a máquina, confundida com Deus, cindiu o mundo e passamos a viver entre o bem e o mal, como se a realidade fosse uma falsa metáfora do dia e da noite. Assim, também nos contentamos com o dia e a noite e todas as outras metódicas e artificiais formas de se aprisionar o tempo.
            Deste então, os atos pequenos do cotidiano foram moldados conforme o desejo da máquina. Os nossos velhos sentimentos foram contorcidos para que coubessem num único coração e por isso reduzimos os mais sublimes e estranhos desejos ao que pudesse ser traduzido pela máquina, nada além de amor, ódio e medo.  Tudo o mais quanto pudéssemos sentir, negamos. Ficamos surdos para os nossos ouvidos e cegos para nossos olhos e com isso ouvimos e vemos aquilo que a máquina determina.
            A máquina passou a operar enquanto nós todos, programados por ela, fingimos não vê-la, aceitando as migalhas que nos são derramadas em ínfimos gestos sublimes como o riso e emoção descontrolada. Já não sabemos quais são os critérios para colocarmos tudo na velha des-ordem, o que sabemos é uma vaga intuição e para essa vaga intuição demos o nome de arte.
            As crianças e os velhos suspeitam da máquina. Mas, sempre é cedo ou tarde demais para que eles nos esclareçam a máquina.  E assim, para sempre, chamaremos o caos de loucura e da verdadeira loucura nos alimentaremos e nos solidarizaremos como se a felicidade não fosse aquilo que deveria ser: