Em verdade, a vida é a estranha
perturbação que se sente antes de tentarmos ordenar as coisas. O resto disso, a
ordem que segue ao assombro, é aquilo que forjamos da vida, não a vida
propriamente dita. Covardemente, temos negado a perturbação, sublimando a vida que seria um assombro por si.
O primeiro homem que negou a perturbação
fez do seu ato o preço pago para que a humanidade se fizesse. Assim, ordenamos
as coisas e confundimos a ordem com a falsa supremacia humana. Com esse vago
sentimento de controle, fizemos da Matemática a nossa orientação e assim nos
distanciamos da verdadeira ordem das coisas, a infinita harmonia do caos e, para
sempre, perseguimos a lógica em nossas vidas.
O segundo homem, aquele que aceitou
docilmente essa falsa vida, construiu a máquina, cujas engrenagens passaram,
desde então, a trabalhar incessantemente e a serem recicladas ou substituídas por
outras idênticas, dia após dia. As peças da máquina seriam como ideias velhas,
falsos conceitos sobre a realidade, dogmatismos e o que a própria máquina
convencionou a chamar de Verdade. A primeira máquina replicou-se em outra
máquina e desde então elas tomaram conta de nós.
O ato mais devastador foi o do
terceiro homem que já sem controle, mas com o suposto controle da falsa vida,
confundiu Deus com a máquina. Deus, que antes se assentara ao lado esquerdo do
caos, foi talhado a imagem do próprio homem, um dos recursos da máquina para
nos controlar e usurpar o verdadeiro e inominável Deus. Foi assim que nomeamos
um suposto Deus e o multiplicamos para negarmos o caos.
E a máquina, confundida com Deus, cindiu
o mundo e passamos a viver entre o bem e o mal, como se a realidade fosse uma
falsa metáfora do dia e da noite. Assim, também nos contentamos com o dia e a
noite e todas as outras metódicas e artificiais formas de se aprisionar o
tempo.
Deste então, os atos pequenos do
cotidiano foram moldados conforme o desejo da máquina. Os nossos velhos
sentimentos foram contorcidos para que coubessem num único coração e por isso
reduzimos os mais sublimes e estranhos desejos ao que pudesse ser traduzido
pela máquina, nada além de amor, ódio e medo.
Tudo o mais quanto pudéssemos sentir, negamos. Ficamos surdos para os
nossos ouvidos e cegos para nossos olhos e com isso ouvimos e vemos aquilo que
a máquina determina.
A máquina passou a operar enquanto
nós todos, programados por ela, fingimos não vê-la, aceitando as migalhas que
nos são derramadas em ínfimos gestos sublimes como o riso e emoção
descontrolada. Já não sabemos quais são os critérios para colocarmos tudo na
velha des-ordem, o que sabemos é uma vaga intuição e para essa vaga intuição demos
o nome de arte.
As crianças e os velhos suspeitam da
máquina. Mas, sempre é cedo ou tarde demais para que eles nos esclareçam a
máquina. E assim, para sempre,
chamaremos o caos de loucura e da verdadeira loucura nos alimentaremos e nos
solidarizaremos como se a felicidade não fosse aquilo que deveria ser:
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