Quando eu estava no que hoje chamamos de segundo segmento do
ensino fundamental, meus professores costumavam pedir trabalhos de pesquisa.
Boa parte do que fazíamos nesses trabalhos consistia na cópia de longos
verbetes da enciclopédia Barsa. Com a disciplina de um monge copista, eu
empunhava uma caneta Bic e reproduzia o parágrafo que me cabia naquele latifúndio
verbal, previamente divido entre os membros da equipe. Assim, eu aprendi sobre,
por exemplo, Martin Luther King, União Soviética, Benzeno e Dadaísmo.
O trabalho final em si, com todo o esmero de nossas
caligrafias infantis em papel almaço com pauta e capa de papel almaço sem pauta
onde se escrevia com letras garrafais “Trabalho de...”, era parte de um ritual
de aprendizagem iniciado com a divisão das equipes e a escolha do melhor
horário para nos encontrar na biblioteca municipal, o “Centro Cultural”. Lá, no
horário marcado, localizávamos o volume correspondente ao verbete solicitado
pelo professor como o tema da pesquisa e, diante do enorme texto, o
reproduzíamos, ou em parte ou na sua totalidade.
No Centro Cultural, enquanto não chegava a minha vez de
copiar, eu me aventurava por outras prateleiras e assim pude conhecer Clarice
Lispector, Fernando Sabino e toda aquela gente que conta boas histórias e faz
da língua um barro moldável ao sabor da imaginação e da criatividade. O
fortalecimento dos laços de amizade que mantenho desde então e o gosto pela
literatura foram outras das coisas que aprendi com aquelas pesquisas na Barsa
do Centro Cultural.
Iamos ao Centro Cultural, pois, afinal, nenhum de nós possuía
uma Barsa e era fato raro alguém a em casa. Vivíamos num tempo em que uma
Enciclopédia era um distintivo de classe social. Ao lado de um TV em cores, uma
Barsa na estante da sala era sinônimo de poder e respeito. Soube de gente que
se enriqueceu e educou os filhos vendendo enciclopédias de porta em porta. Eram
livros caros e, se ilustrados, caríssimos. Poucos na cidade possuíam-nas e uma
dessas pessoas era o Seu Joel, vizinho nosso àquela época.
Seu Joel era um homem rico e com trânsito entre políticos, líderes
religiosos e gente do poder. Em sua casa, como em nenhuma outra que eu conhecia
na cidade, havia um belo jardim gramado, um sofá de balanço na varanda, uma
árvore enorme a frente de casa, então bastante exótica para meus parcos
conhecimentos de botânica, em cujos galhos pendentes como uma samambaia gigante
nos pendurávamos como um Tarzan ou um pássaro, e uma biblioteca.
Mais do que seu belo jardim, cenário para álbuns de
casamento, a biblioteca da casa do Seu Joel me impressionava. Seu Joel,
falecido há poucos anos, era um homem culto com boa oratória e senso de justiça
social e eu acreditava que esses seus atributos eram provenientes das leituras
que fazia, dos estudos e do que ele copiava das enciclopédias.
Quando eu ia ao Centro Cultural fazer pesquisas, eu
imaginava que, se fizesse todo aquele trabalho, um dia eu poderia ser como o
Seu Joel, uma pessoa esclarecida, com conhecimento e leitura e que, por meio do
que eu aprendesse nos livros, eu poderia ter a chance conhecer pessoas importantes,
de ir a lugares diferentes e de ser respeitado. Eu queria mesmo era ser rico
para ter uma Barsa na minha casa.