quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Desbotado


Às três da manhã, não há escapatória para a profusão dos nossos desejos assassinados em praça pública, sem testemunhas a não ser o silêncio, que antes ininterrupto, antecedera o tiro. Largas horas em meio ao caos estático desses quentes dias, noites e madrugadas. Vaguidões, rouquidões e tormentos. A noite consumiu o corpo que não dormia e que apenas projetava os músculos estendidos e exauridos pela corrosão do vento. Fostes um inventário de sentimentos que, na contabilidade dos afetos, de repente, se apagou como um extrato bancário esquecido no porta-luvas do carro.

Ao amanhecer, os velhos cheiros ainda nas dobras do corpo e da casa. O quarto, a cama e o completo desfecho dos abraços nas dobras dos travesseiros vazios. Nem mais vestígios do corpo, do colo ou do aconchego. Resta-nos o que escapa, o que escava e fere, o que suplanta e sara. Fica o gotejar da pia, a grama por cortar, o café frio e a noite por chegar. Avaliar as versões dos fatos e concluir calado exíguas e vazias palavras sem cor nem mistério.

Às duas da tarde, a claridade do dia ofuscando os olhos, pois o que fora visto não foi mais o retrato estampado no canto da parede acima dos olhos. A soma das horas verteu-se no opaco dos sentimentos etéreos. O tempo é um senhor que tinge as paredes de ocre e o que nos resta é um largo sem amparos, aparas ou arestas. Como um papel em branco, prenúncio de uma nova história a ser pintada.

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