quinta-feira, 26 de junho de 2008

Motivação


Já faz tempo que motivação é assunto recorrente. Muitos usam o chavão para o auto-enriquecimento no mercado editorial da auto-ajuda e outra leva se lança no showbiss das palestras. Afora todo o alarde entorno do tema, é bem verdade que necessitamos de motivação, principalmente para acordar cedo numa fria segunda-feira de junho. Mas que motivação é essa?
“Os alunos e suas famílias vêem em nós a figura de um pai que doa lápis, caderno, uniforme e, por conseqüência, esperam conhecimento.”
Porque ando sem motivação para muitas coisas, tenho pensado nisso! Tento escrever para elucidar o tema. É o salário que recebo pelo meu trabalho? São as atividades que exerço? É a possibilidade de sair de casa, encontrar e reencontrar pessoas?

O salário que recebo é o necessário para garantir minhas necessidades de consumo, gosto de esbanjar: beber o melhor vinho, comer a melhor comida, vestir as melhores grifes, freqüentar as atividades culturais da capital, o que, pra quem vive em Campos, torna-se um gasto a mais, contando passagens, hospedagens e alimentação.

É pela possibilidade de usufruir o capital que me cabe que me esmero todos os dias às 6 da manhã para sair da cama e encarar uma sala de aula, alunos com problemas familiares e pessoais bem maiores que os meus?

No meu trabalho considero cada sorriso das crianças, cada nova palavra aprendida, cada novo conceito compreendido o produto final do meu esforço que é sempre o de levar novidades, cultura e outras possibilidades ao universo, por enquanto limitado, de crianças que vêem diariamente a fome diante de seus olhos, a relação de violência entre seus pais, a escassez completa de alimentos, dignidade e futuro.
Se há algo nítido que tira minha motivação é quando esse triste universo se reverbera na escola em momentos de violência física e verbal entre os alunos e na relação que, infelizmente, se desgasta entre eles e eu. Acabo cansando de vestir a farda de um personagem do assistencialismo que o serviço público representa para as classes populares.
Os alunos e suas famílias vêem em nós a figura de um pai (longe do sentido psicanalítico) que doa lápis, caderno, uniforme e, por conseqüência, esperam conhecimento. Cria-se um equívoco: a escola deixa de ser disciplinadora (longe do sentido autoritário) passando a permissividade de um “bom” pai. Torna-se ainda mais grave quando se espera que tenhamos uma máquina a colocar o conhecimento nas crianças, o que não é possível, pois conhecimento precisa de diálogo, crítica, pensamento ativo, disposição e motivação para existir.
Enquanto isso, passivos, eles esperaram que o conhecimento emane do “bom”pai, iludem-se na esperança de que exista uma bolsa aprendizagem, que, na posse de um cartão, possam ver leitura e escrita brotando de um caixa eletrônico. Antes de tudo é preciso aprender que aprender, além de motivo demanda vontade.
Conhecimento é algo construído com esforço, com vontade, por um motivo. Tudo demanda motivo para existir: o motivo de um filho é o amor de seus pais; o motivo de um resfriado é o banho quente. Qual é motivo da educação, para aqueles que esperam a felicidade após a vida, nos cultos neo pentecostais, ou um emprego, um bico, uma vaga quando o político camarada lhe der? É o dinheiro do “bolsa família” no fim do mês!?
Quando o motivo passa a ser o dinheiro, acabamos todos esperando que a grana saia do caixa eletrônico, a força de vontade se esvai, o trabalho se torna alienado, não existindo diálogo para que o conhecimento ocorra. É preciso que exista vontade de aprender, é preciso que essa vontade seja o motivo para se estar na escola.
Se uma bolsa no fim do mês for o motivo para se levar filhos à escola, não é de se assustar que o motivo para que professores sigam com o seu trabalho seja aquilo que garante o sustento de sua família ou o que permite a realização, por exemplo, dos meus desejos mais materialistas. Entretanto, por mais que eu me iluda com o dinheiro que reveste as mazelas ao meu redor, que me tira da mesmice, que me possibilita conhecer novos lugares, coisas e pessoas, não pode ser esse o motivo para encararmos o árduo desafio de uma sala de aula. Qual tem sido sua real motivação para o trabalho?

Thiago Eugênio

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